Twitter fora do ar, robôs gigantes e adolescentes de carne e osso, ensaios sobre a obsessão
Ainda estou vivo
Graças ao bom deus o Twitter segue bloqueado no Brasil, o que naturalmente me faz sentir uma certa saudade de falar sozinho para amigos, colegas e seguidores que por ali me acompanhavam. Com o tempo livre e a mente arejada sem a necessidade constante de disparar gracinhas naquela nau de veneno, posso tomar vergonha na cara e redigir mais uma edição da minha newsletter, que, por princípio, segue sem QUALQUER DIRECIONAMENTO, exceto falar sobre absolutamente qualquer coisa que tenha prendido minha atenção entre uma malfadada edição e outra.
Observação: comecei a redigir isso aqui entre uma série e outra de *TRÍCEPS NA POLIA* (máximo de doze repetições), ofegante, sem o alento de uma rede social cuja gratificação instantânea me entreteria ao longo daqueles DOIS A TRÊS MINUTOS de descanso (muito necessários para HIPERTROFIA, diga-se de passagem). Se a ausência do Twitter, não morte, visto que duvido MUITO que isso se prolongará, me render uns textos soltos e mais uns leitores perdidos, já está ótimo. Obrigado Alexandre de Moraes, com X, de Xwitter.
Ah, fiz o favor de comprar um Nintendo Switch Lite, bem naquelas postagens patrocinadas de Instagram que parecem golpe, com o adendo de que dessa vez não era: um rapaz de uma assistência técnica aqui da Grande Florianópolis™ realmente estava se desfazendo do bichinho após perceber que o trabalho árduo e infinito de consertar o videogame alheio havia lhe tirado o prazer e o tempo para fruir dos próprios joguinhos. Certamente tem alguma metáfora vagabunda sobre o capitalismo tardio aí no meio, da qual pouparei vocês.
Dito isso: que alegria é ter um videogame portátil. Já tinha um 3DS, mas entre jogos no computador e Xbox ele acabou ficando de lado. O Switch, como recém-chegado, acaba por ser muitíssimo bem utilizado entre os intervalos do cotidiano, claro. Quão precioso é poder só deixar o jogo ali te esperando na cabeceira da cama, sem precisar nem LIGAR UM CONTROLE pra MERGULHAR em seja lá o que for que estiver rodando ali. Mas o que tem rodado ali?
Nas últimas semanas ando obcecado com 13 Sentinels: Aegis Rim, exclusivo do console da Nintendo e do PlayStation 4 (e PlayStation 5 por tabela). Desenvolvido pela Vanillaware, tem o estilão de arte que já se espera do pessoal responsável por Odin Sphere (clássico do PlayStation 2) e, mais recentemente, Unicorn Overlord, que em algum momento vou acabar escrevendo sobre por aqui também.
13 Sentinels é um jogo único na forma que se apresenta, mesmo sendo constituído de muitos clichês: uma combinação de combate estratégico com visual novel que envolve adolescentes, robôs gigantes, transferência de consciência, fim do mundo e por aí vai. Tem até uma personagem toda ARREBENTADA e coberta por bandagens, meio que a Rei Ayanami (Evangelion) deles. A forma como a desenvolvedora escolheu fazer isso foi das menos óbvias, tendo em vista em que o jogo foi SEPARADO em modos completamente distintos:
Destruction, onde ocorre o combate
Remembrance, onde vemos o desenrolar da história dos 13 protagonistas (que controlam os 13 Sentinels, os gigantescos robôs do título)
Analysis, que não é bem um modo, serve meio como a biblioteca do jogo, com documentos e eventos que descrevem a história.
Cabe mencionar que a escrita do negócio é cativante se você tiver uma mínima inclinação a ser otaku e as TRINTA E POUCAS HORAS que tenho de jogo até agora certamente atestam isso aí, mesmo sem ter qualquer simpatia prévia por visual novel. Da mesma forma que se quero me mexer vou fazer algum esporte e JAMAIS ENCOSTAR NUM NINTENDO WII, se quero ler, vou lá e pego um livro, alguma coisa no Kindle, sei lá. Aí reside o MÉRITO de Aegis Rim porque você acaba SE IMPORTANDO com os personagens e quer saber que diabos vai acontecer. Junte isso ao combate divertido, com um loop muito do seu simpático e que te rende "arquivos extra", a serem destravados no modo Analysis e ESTÁ FIRMADA A POLENTA.
É isso, se puder: jogue.
Outra parada que me segurou pelos cornos ao longo desse ano, agora se tratando de música, foi o Himukalt, da artista norte-americana Ester Kärkkäinen, que nas palavras da própria (tradução minha do texto que consta no site):
himukalt é a obra de ester kärkkäinen, do deserto de nevada . ela emprega ruídos, voz, eletrônicos e xérox. replicação e reprodução do som através do desejo, luxuária, hostilidade, raiva, mania, depressão, sangue, carne. seu trabalho se ocupa com as estratégias e conceitos do feminismo, transgressão erótica, power electronics e industrial noise. conta com diversas gravações lançadas por diversos selos como tesco organisation, found remains, malignant records, total black, old europa cafe, etc . ela colabora com harriet kate morgan sob o nome scopophilia.
seu trabalho visual foi reunido em vários livros e exibido em inúmeras galerias internacionalmente.
Ester Kärkkäinen não está pra brincadeira. Não lembro exatamente como conheci o trabalho dela, mas muito possivelmente foi em uma sessão de cavucar artistas com menos de 600 ouvintes no Spotify, uma tarefa salutar que na maioria das vezes acaba trazendo algumas boas surpresas.
A capa do disco Knife Through the Spine foi o que chamou atenção em um primeiro momento e logo fui ouvir. Como já se deve imaginar, trata-se de música experimental do espectro mais extremo da coisa, para quem já está calejado em termos de industrial e pós-industrial, em que os barulhos e instrumentação (possivelmente à base de sintetizadores e muita distorção) criam um ambiente de intensa opressão. Ocupa o espaço do power electronics, do barulho pelo barulho, mas há um ritmo e pulso no meio daquilo que conduzem bem o ouvinte, ou seja, dá pra sentir um propósito no negócio.
Para além da música, Ester também se às artes visuais, aspecto com o qual acabei me deparando ao visitar seu site e fiquei surpreso com como aquilo tudo me atingiu como uma lufada de ar fresco tendo em vista que ela vem de um gênero tão cheio de gente doida da pior estirpe. É raro encontrar uma perspectiva feminina dentro do noise, ou ao menos eu tenho pouco conhecimento de causa, mas poderia citar Puce Mary e Pharmakon como dois grandes destaques dentro do tipo de música ruidosa que costumo escutar. Mas com o Himukalt simplesmente bateu diferente.
Talvez seja a forma pela qual Ester resolve abordar seus temas, numa obsessão com o corpo feminino, suas formas e suas relações com outras mulheres, o que não se dá só no campo da música, mas também por meio de colagens e fotografias analógicas, caso da série Marie, que acabou por servir como gênese do próprio Himukalt. Mais uma vez, nas palavras da própria (tradução minha do texto que consta no site):
marie a. foi minha amante. em 2014 ela se suicidou em meio à luta contra o vício e a depressão. sim, ela era uma trabalhadora sexual em tempo integral e foi quem me levou a ser stripper, mas era também muito mais do que isso. era capaz de ser muito carinhosa. era capaz de extremo recato. era capaz de crueldade. e era capaz de abrir um sorriso gigantesco que iluminava todo o cômodo, especialmente quando nua por completo. fui tomada por seu poder de sedução, acompanhado de muita manipulação e o que, à época, entendia como amor genuíno. através d esua morte e minha obsessão erótica ao seu respeito, dei início ao himukalt.
Abuso, violência, crimes de guerra e os piores aspectos do ser humano costumam ser os principais temas abordados por artistas e músicos que se dedicam ao tipo de música que Himukalt faz. Mas acho que essa é a primeira vez que vejo um tipo de música tão abrasiva (e inacessível para ouvintes de primeira viagem) ter como inspiração, de certa forma, o amor (e por conseguinte, a obsessão que nasce desse amor). Mesmo que não seja o seu tipo de música, vale à pena conhecer ao menos o trabalho visual de Ester.
Para encerrar, gostaria de deixar um filme: Masking Threshold, de 2021, dirigido por Johannes Grenzfurthner. Falar qualquer coisa sobre acabaria por estragar uma boa parte da experiência, mas uma sinopse inofensiva não deve fazer mal a ninguém: no filme, um homem obcecado com uma espécie de tinnitus não encontra qualquer alívio com tratamentos e médicos convencionais e se vê mergulhado numa espiral de experimentos cada vez mais extremos para entender a causa daquilo que lhe aflige.
Achei que seria fofo encerrar esta edição da newsletter depois de falar sobre uma artista de noise obcecada com o feminino (seus desejos e opressões sofridas) ao recomendar um filme em que um indivíduo se vê obcecado com um barulho que só ele consegue ouvir. Claro que o filme é muito mais do que isso e a própria forma como foi filmado (tendo basicamente um único personagem que não cala a boca) contribui para a criação de uma atmosfera cada vez mais pesada. Se o trailer te deixou curioso, vai fundo. Pode ser cansativo, mas é o tipo de longa em que lá pela metade nem importa mais como tudo está sendo conduzido e sim onde aquilo vai chegar.
Chegamos ao fim da newsletter e tudo que posso dizer é: perdão por demorar tanto tempo pra escrever qualquer coisa, mas pelo jeito o ato de TUITAR acabava me roubando muito do fôlego em escrever textos um pouquinho mais elaborados. Agradeço ao Xandão mais uma vez, vejamos o que vem por aí. Talvez quem saiba eu consiga escrever mais agora que conseguiram tirar a alegria daquela latrina que era aquele site lá.
Um abraço e até mais ver.